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Amazonas

Estudo de pesquisadora do AM mostra como Manaus viveu pandemia da Gripe Espanhola

Pesquisa mostra muitas coincidências entre os fatos que marcaram a pandemia de Gripe Espanhola e a pandemia de Covid-19 em Manaus.

“Os manauenses, durante a passagem da epidemia, tiveram que conviver com todas as mudanças do cotidiano da cidade. Com escolas, igrejas e o comércio fechados uma sensação de isolamento social foi tomando conta da população”. O relato que poderia ser da pandemia de Covid-19 em Manaus, mostra uma situação de 100 anos atrás, sobre outra grande pandemia na cidade, e está no trabalho de pesquisa “Dias Mefistofélicos: a Gripe Espanhola nos jornais de Manaus ((1918 – 1919), da pesquisadora Rosineide de Melo Gama.

A dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), como requisito para obtenção do Grau de Mestre, foi apresentada em 2013, sete anos antes da pandemia de Covid-19 atingir o amazonas. E mostra que, mesmo com uma diferença de 100 anos, as duas pandemias tiveram muitos fatos em comum, mesmo guardadas as proporções: a Gripe Espanhola matou mais de 8 mil pessoas no Amazonas.

Ao primeiro anúncio da gripe espanhola na cidade, ao mesmo tempo em que a maioria da população acreditava nos discursos médicos que vinham da capital da República sobre a não letalidade da doença, também enchiam as farmácias e tomavam vários medicamentos preventivos para todos os tipos de males e assim tentar evitar o mal que se aproximava. Quem contraía a Influenza sentia dores no corpo, febre alta e grave dificuldade para respirar.

A pesquisadora mostra que, em algumas notícias jornalísticas da época, era possível notar a tranquilidade dos manauenses e até a confiança de que a epidemia não atingiria a cidade da mesma forma com que já atacava alguns estados brasileiros. Essa tranquilidade era sentida nos bares, cinemas, escolas e casas comerciais abertas que ainda permaneciam com suas programações diárias, todas em pleno funcionamento, diz.

A partir da primeira semana após a entrada oficial da epidemia o pânico e medo começaram a ditar as novas relações que permearam o comportamento e o cotidiano da cidade.

As casas de diversões foram fechadas, onde havia circulação de vozes e pessoas, instalou-se o silêncio e o abandono, mostra o estudo: o comércio ficou quase “totalmente” paralisado, salvos alguns pontos comerciais que vendiam gêneros alimentícios com o preço exorbitante e as farmácias que vendiam suas fórmulas para o alívio dos transtornos que a gripe causava ou até mesmo para a sua prevenção.

A pesquisa de Rosineide de Melo Gama mostra que, devido às inúmeras proibições estabelecidas, pelo poder médico, talvez o que mais tenha incomodado o cotidiano da cidade e até mesmo interferido nas relações pessoais foi, primeiramente, a proibição de beijos logo no início da epidemia.

Ela mostra que, assim como na pandemia de Covid-19, “a solidariedade partiu de empresas, de pessoas e de sociedades religiosas, as quais diante do quadro “mefistofélico” que ficou a cidade e das impossibilidades dos poderes estadual, municipal e médico em controlar a situação, agiram coletiva e individualmente para ajudar a população pobre a conseguir sobreviver a temível ‘Hespanhola’”.

O estudo mostra, ainda, que Manaus, como agora, sofreu com o rompimento de alguns rituais habituais da cidade durante a passagem da gripe, dentre eles o de não fazer a romaria no dias mortos, o de não enterrar os seus parentes e vizinhos.

A pesquisa mostra também que diante de tantos mortos a serem enterrados no cemitério, os jornais A Imprensa, Imparcial e Gazeta da Tarde denunciaram a abertura de valas comuns no cemitério São João Batista, onde corpos, segundo os jornais, eram enterrados “sem o mínimo de humanidade”.

A pesquisadora informa que o jornal A Marreta, um dos poucos a divulgar informações sobre as prostitutas em Manaus, publicou que a categoria que mais sofreu com a epidemia da Gripe Espanhola foi a das prostitutas, que passaram fome pela falta de fregueses.

Imprensa

A pesquisadora relata, ainda, que os jornais de oposição denunciavam a falta de assistência dos governos, sempre enfatizando as péssimas condições do serviço sanitário. E os jornais governistas destacavam que a cidade estava preparada caso a epidemia gripal viesse, elogiando também o estado sanitário da cidade.

Em entrevista ao jornal Imparcial, um médico que era um dos supervisores da comissão de saneamento e higiene do Estado, riu da pergunta feita pelo jornalista sobre a Gripe Espanhola, ressaltando que a gripe implantada na imprensa não passava de invenção da oposição.

O estudo também relata uma greve de “coveiros” em Manaus contra o excesso de trabalho e o medo do contagio da doença. E que, após o início da epidemia de gripe os coveiros passaram a enterrar em média 40 corpos por dia, chegando a mais de 80.

A epidemia, à época, também acabou sendo uma forte aliada para a oposição pedir uma intervenção federal.

Assim como a Covid-19, o contágio da Gripe Espanhola se dava através das secreções da via respiratória. A profilaxia recomendada era quase a mesma da de hoje: limitar o acesso a lugares e reuniões; a volta da quarentena e isolamento de doentes.

Quando a epidemia se alastrou pelos bairros de Manaus, a principal falta sentida pela população foi a de médicos para atender aos doentes.

A maioria dos medicamentos, no auge da epidemia, foram para tratar os sintomas comuns da gripe, como febre e dores pelo corpo.

Um dos maiores problemas enfrentados pela população manauense doente foi a carestia de alimentos.

O jornal ‘O KCT’ “trolou” um homem que havia mandado preparar cápsulas de quinino para prevenção da gripe e acabou tomando pilulas contra a prisão de ventre, causando uma “influenza gástrica.”

A pesquisadora diz que o começo do ano de 1919 nasceu trazendo muitas expectativas para o comércio e para a estruturação do cotidiano de Manaus.

As notícias jornalísticas, nos últimos dias de dezembro, já se despediam da “hespanhola” e começavam a pensar na alegria do carnaval.

Ao mesmo tempo, o jornal Gazeta da Tarde, em editorial, destacava a chegada em “proporções alarmantes e phantasticas de legiões de gripados do alto rio”.

Os jornais relataram que os brincantes pareciam estar vivendo como se fosse seus últimos dias de vida.

A Gripe Espanhola foi deixando os espaços de propaganda e jornalísticos, conforme a quantidade de mortos ia diminuindo.

Contudo, mesmo com este desinteresse da imprensa, a doença continuava a devastar os subúrbios e bairros pobres de Manaus. E os jornais ainda deixavam escapar notícias do sofrimento nos bairros carentes, com notas como: “as lavadeiras estão doentes”, “os operários ainda estão gripados”.

Veja o estudo completo neste link.


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