Brasil
Governadores da Amazônia lançam plano para desenvolver região que omite projetos de impacto ambiental
Não há menção às três principais apostas dos estados amazônicos para alavancar suas economias, como exploração de petróleo na Margem Equatorial e o projeto da Ferrogrão, que quer ampliar o escoamento de soja.
Wilson Lima (AM), Helder Barbalho (PA) e Clécio Luís (AP) — Foto: Reprodução/Instagram
Os governadores dos estados da Amazônia Legal lançaram na COP30, a conferência do clima em Belém, um novo plano conjunto de desenvolvimento de longo prazo. Com metas para aumento de energia limpa e crescimento da bioeconomia, o projeto “Estratégia Regional Amazônia 2050” convive com uma agenda controversa de curto prazo, que prioriza obras de infraestrutura de alto impacto ambiental. A informação é do jornal O Globo.
Feito em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o plano não faz qualquer menção às três principais apostas dos estados para alavancar suas economias, que têm forte impacto ambiental. São elas:
– O asfaltamento da BR-319, estrada que liga Manaus a Porto Velho;
– A construção da Ferrogrão, projeto ferroviário que pretende ligar Sinop (MT) a Miritituba (PA), ampliando o escoamento de grãos pelo Rio Tapajós;
– A exploração de petróleo na Margem Equatorial, que prevê ampliar a estrutura portuária do Amapá.
Alinhado com o discurso dos governadores, o novo plano reconhece desafios ambientais, e coloca a integração territorial como um dos principais gargalos de desenvolvimento, inclusive para a bioeconomia e a produção de produtos da floresta, como castanha e açaí.
“A região ainda enfrenta baixa integração física e econômica entre seus estados”, escrevem os autores. “As rodovias e portos são insuficientes para o escoamento eficiente da produção, e o transporte fluvial carece de investimentos e planejamento regional coordenado.”
Mas não há menção explícita aos projetos. A BR-319, por exemplo, cruza o interflúvio Purus-Madeira, uma das áreas de maior biodiversidade da floresta. Teme-se que a pavimentação gere ali uma dinâmica de ocupação desordenada, com exploração de madeira ilegal, grilagem e avanço predatório da agropecuária.
O medo é que se repita ali o que aconteceu no passado no entorno da Transamazônica e da BR-163.
Na Ferrogrão, o temor é tanto de fragmentação da biodiversidade quanto de perturbação de terras indígenas. O setor de grãos é mais capitalizado que a pecuária, e sua expansão em Mato Grosso pode repetir um fenômeno já visto antes na região de Sinop (MT), com a soja “empurrando” mais a pecuária para dentro da floresta.
Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o projeto está judicializado e não há hoje um pedido de licenciamento dentro do Ibama para a ferrovia.
Na Margem Equatorial, a Petrobras já recebeu licença do Ibama para prospecção. Se planos de exploração vingarem, a possibilidade de um vazamento a quase 2.000 metros de profundidade não é o único temor.
O impacto da circulação intensa de grandes navios numa região de corais e a perturbação da biodiversidade na zona de influência do estuário da Foz do Amazonas ainda são riscos pouco estudados.
Maricá em Macapá
Segundo o governador do Amapá, Clécio Luís, não há contradição em o plano para 2050 falar em expansão de energias eólicas e solar na Amazônia, quando a costa amapaense poderá estar abrigando uma nova frente de exploração de petróleo (um combustível que será queimado sobretudo em outros estados ou países).
— O Amapá já é um estado carbono negativo, absorve mais CO2 do que emite, por ser o Estado mais preservado do Brasil, com 97% da cobertura vegetal de floresta intacta — diz. — Só que esse mesmo estado que dá esse exemplo para o Brasil e para o mundo também tem muita pobreza. Essa é a equação que precisa ser resolvida.
Questionado sobre o “paradoxo da abundância” (a experiência de alguns municípios que receberam fluxo de verbas do petróleo e não conseguiram elevar seu índice de desenvolvimento humano), Clécio diz ter contraexemplos em mente.
— Maricá, no Rio de Janeiro, é um bom exemplo. Fora do Brasil, a Noruega é um bom exemplo — afirma. — O petróleo é a atividade econômica que levantou a economia norueguesa. Só que, além do fundo soberano, eles pegam parte dos recursos e aplicam em atividades que não são da base do petróleo.
Estrada-parque
O governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), também afirma que o asfaltamento da BR-319 terá providências para que não se repita a história de devastação que marcou a abertura de outras rodovias da Amazônia.
Com sondagens em Manaus mostrando que a obra tem grande apoio popular, ele diz que argumentos contra a estrada têm a intenção de “colocar a população de joelhos” e permanecer isolada.
— A gente entende o impacto que uma obra dessa traz para o meio ambiente, mas nós estamos dispostos a cumprir todas as condicionantes ambientais e toda a exigência necessária — diz o governador. — Se for para transformar a BR-319 numa estrada verde ou estrada-parque, se for para colocar portal de monitoramento na entrada e saída da estrada, se for para colocar chip nos carros para controlar a balança de pesagem, a gente não tem nenhum problema com isso.
O paraense Helder Barbalho não tem iniciativa do vulto da BR-319, mas sofre pressão de ambientalistas por obras como a da Avenida Liberdade, estrada que corta 13 km de unidade de conservação para conectar a Alça Viária de Belém à Avenida Perimetral.
Ele afirma que também vê no transporte um dos gargalos de desenvolvimento da Amazônia, e que a atuação dos governos em bloco pode ajudar a prospectar financiamento para avançar.
— Não é fácil conectar uma região com nove estados da federação com as extensões extraordinárias que possuímos e com as realidades próprias que temos — disse. — A partir deste olhar de consórcio, de região, nós estamos construindo o engajamento de todos os estados para crescer em escala a ambição regional das políticas públicas e da missão comum de cuidar da Amazônia.
Diversidade de discursos
O bloco em que os estados amazônicos se reuniram para o novo projeto é o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal. O grupo aplica uma separação, em certa medida, do tipo de discurso direcionado a cada fonte de financiamento que os governadores buscam para os projetos.
Enquanto as obras controversas (mas com apelo popular) encontram respaldo em ministérios da gestão Lula, o “Estratégia Regional Amazônia 2050” menciona intenção de buscar recursos em outras frentes, principalmente bancos multilaterais, como o BID, o Banco Mundial e o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), dos Brics.
O amazonense Lima diz que pretende pleitear para a esfera estadual também um quinhão de recursos que devem chegar ao governo federal pelo recém-criado Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF).
— O estado do Amazonas tem um milhão e meio de quilômetros quadrados, dos quais entre 95% e 97% estão preservados. É a maior extensão de floresta contínua do mundo e o maior estoque de carbono do planeta — afirma. — A gente precisa ser remunerado por isso.
Não deixe de curtir nossa página no Facebook, siga no Instagram e também no X.













Faça um comentário