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Brasil

Empresa dos EUA foi barrada pela Receita Federal em tentativa de compra de ouro da Amazônia

O bloqueio, que ocorreu em setembro de 2023, foi identificado agora em meio a uma investigação da Repórter Brasil e do The Bureau of Investigative Journalism (TBIJ)

Ouro ilegal encontrado com prefeito de Jutaí foi apreendido pela Polícia Federal, em novembro do ano passado. (Foto: Divulgação/PF)

Uma carga de ouro de R$ 4,6 milhões, que seria exportada para a StoneX, foi barrada pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos. Para a Receita, existiam “fortes inconsistências entre a documentação apresentada para a exportação da carga”, o que foi “constatado em perícia técnica realizada a pedido da fiscalização aduaneira”. Divergências ao comparar o peso do ouro averiguado pelas autoridades com o declarado nas notas fiscais apresentadas pela empresa foram identificadas. A carga iria para Dubai, nos Emirados Árabes.

O bloqueio, que ocorreu em setembro de 2023, foi identificado agora em meio a uma investigação da Repórter Brasil e do The Bureau of Investigative Journalism (TBIJ).

A companhia StoneX, uma das 15 maiores empresas do setor financeiro dos Estados Unidos, tem em sua rede de fornecedores de ouro cooperativas de garimpeiros autuadas por desmatamento ilegal, uso irregular de mercúrio e com áreas de garimpo localizadas às margens de unidades de conservação da Amazônia.

 

Documentos obtidos pela Repórter Brasil, em parceria com o TBIJ,mostram que a rede de fornecedores da StoneX também inclui, além das cooperativas, uma empresa investigada pela Polícia Federal por possível envolvimento em esquemas de exploração ilegal de ouro em Itaituba, no Pará, desde 2021.

A relação entre esses fornecedores brasileiros e a StoneX é apontada em notas fiscais, que indicam a venda de ouro por uma empresa intermediária – a Coluna DTVM – para a StoneX Commodities DMCC, subsidiária do grupo em Dubai.

Questionada sobre o processo, a Receita Federal informou que não seria possível fornecer informações sobre o caso.

Em documentação enviada à Receita, a Coluna DTVM, fornecedora da Stone X, apresentou milhares de notas fiscais de outras operações que indicavam a origem do ouro que seria exportado. Elas revelam que parte do minério havia sido adquirido da FD Gold, companhia que, por sua vez, tinha como principal fornecedora do produto uma cooperativa matogrossense autuada por desmatamento ilegal e pelo uso irregular de mercúrio em áreas de garimpo, conforme apuraram Repórter Brasil e TBIJ.

Outra importante fornecedora da Coluna mencionada é a empresa Parmetal, alvo de uma investigação da Polícia Federal sobre uma suposta obtenção irregular de ouro na Amazônia acobertada por “lavras fantasmas”.
Facilidade de escoar ouro ilegal

Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, avalia que “há uma facilidade muito grande do ouro que é extraído ilegalmente entrar no sistema de vendas oficial”. Para Alencar, é preciso exigir transparência e rastreabilidade no processo de comercialização do minério. “Há formas de fazer isso. É preciso investimento para que aconteça”, destaca.
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Mesmo após as inconsistências identificadas, a relação comercial entre Coluna e StoneX ocorreu novamente. Outras duas notas fiscais obtidas pela Repórter Brasil e pelo TBIJ mostram a exportação de 19,5 quilos de ouro entre as partes ocorrida em outubro de 2024, no valor total de R$ 8,9 milhões.

Questionada sobre a rede de fornecedores, a StoneX disse que segue políticas e processos robustos para verificar a legitimidade da origem de todos os metais preciosos que adquire, obtendo-os em “estrita conformidade com os requisitos legais e regulatórios aplicáveis”.

A empresa também disse ter coletado os certificados de origem do ouro auditado pela Receita Federal durante o processo de exportação em 2023. A companhia acrescentou ainda que a Coluna é uma instituição licenciada pelo Banco Central do Brasil que continua a exportar até hoje. Leia o posicionamento completo da empresa aqui.

Procurada, a Coluna DTVM não respondeu aos questionamentos enviados até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações futuras.

Entre os dias 4 e 12 de setembro de 2023, a Coopemiga (Cooperativa de Mineradores e Garimpeiros da Região de Aripuanã), segundo as notas fiscais apresentadas pela Coluna às autoridades, realizou 224 vendas de ouro para a FD Gold, somando 9,2 quilos do produto, no valor de R$ 2,2 milhões.

OLHAR APURADO

 

Todas as notas fiscais da Coopemiga indicam como origem do produto uma lavra garimpeira com área de 516,9 hectares em Aripuanã, na Amazônia matogrossense. Em parte dessa lavra, o garimpo é ilegal, já que a cooperativa teve três áreas embargadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), em 2022, por desmatamento e produção ilegal de ouro. Ao todo, 173,9 hectares foram embargados pelo órgão.

No mesmo ano, o Ibama aplicou seis multas à cooperativa, no valor total de R$ 2,2 milhões. Além das autuações relativas aos desmatamentos ilegais e extração de ouro em área irregular, a Coopemiga também foi multada por uso ilegal de mercúrio. A substância é utilizada em atividades garimpeiras para acelerar o processo de separação de ouro de demais sedimentos.

O uso de mercúrio na extração de ouro não é necessariamente ilegal, mas só é permitido com a obtenção de licenciamento ambiental e dentro de regras estabelecidas pela legislação nacional e internacional.

Para o Ibama, a Coopemiga obteve ao menos 147,8 kg de ouro com uso ilegal do produto. As irregularidades foram identificadas pelo órgão ambiental e pela Polícia Federal nas fiscalizações da Operação Hermes Hg 2022, que buscava desarticular o uso ilegal de mercúrio no Brasil.

Procurada, a Coopemiga afirmou que os desmatamentos identificados pelo Ibama ocorreram antes da posse da atual gestão da cooperativa e que a área embargada está sinalizada e isolada para recuperação da vegetação nativa. A nova gestão da cooperativa, que tomou posse no final de 2023, também reforçou que não autoriza o uso de mercúrio.

A FD Gold afirmou que “detém rígidas políticas e protocolos de fiscalização ostensiva e permanente, inclusive sobre a rastreabilidade da origem mineral do ouro e ainda sobre a sustentabilidade na lavra de ouro”. Sem comentar casos específicos, a DTVM afirmou que, após investigação interna, não identificou “nenhuma operação financeira de aquisição de ouro ativo financeiro em desconformidade” às normas do Estado brasileiro e às regulações internacionais. Leia aqui as respostas completas.

 

Leia a reportagem completa de Leandro Sakamoto no UOL


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