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Amazonas

‘A Amazônia não pode se restringir à bioeconomia’, diz Denis Minev, CEO da Bemol, ao O Globo

Um dos maiores empresários do Amazonas, Denis Minev, defende um desenvolvimento econômico baseado em capital humano, ciência e tecnologia.

“É necessário pensar, sobretudo, o lado econômico para que as pessoas tenham outros meios de subsistência e, assim, deixem de desmatar”, diz Minev. (Foto:Reprodução/Internet)

A ênfase na bioeconomia como solução para manter a floresta amazônica em pé é uma proposta que encontra grande eco no Sudeste, mas é descolada da realidade local. Para o empresário manauara Denis Benchimol Minev, CEO da Bemol, maior rede de lojas de departamentos da região Norte do país, com R$ 4 bilhões em vendas anuais, em entrevista ao blog Capital, em O Globo, é preciso investir em ciência e tecnologia para a geração de emprego e renda nas cidades, onde vivem 80% dos 8 milhões de habitantes da Amazônia Ocidental, região que compreende os estados do Amazonas, Roraima, Rondônia e Acre.

— A luta contra o desmatamento é inglória e não vamos vencer essa guerra sem apoio local. Meio ambiente não é um tema que os amazônicos acham relevante — diz Minev.

Veja o restante da matéria:

Que não se engane quem vê o empresário defendendo a pavimentação da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, ou criticando propostas de transformar a Zona Franca de Manaus em pólo de bioeconomia. Minev é um defensor da floresta.

Seu sonho é transformar os 70 milhões de hectares já degradados e subutilizados — uma área maior que a França — em sistemas de agrofloresta, com regularização fundiária e gerando comida e renda para pequenos agricultores. O empresário investe em sete iniciativas do gênero. Uma delas compensa as emissões da Bemol, grupo que atua no varejo físico e no e-commerce, com 37 lojas físicas e uma rede de 48 farmácias. Minev fundou a ONG Fundação Amazonas Sustentável e é também o maior investidor em startups focadas em resolver os desafios da região, sobretudo logísticos.

Formado em economia em Stanford, Minev foi analista do Goldman Sachs e serviu como secretário de Desenvolvimento Econômico do Amazonas no governo de Eduardo Braga.

Os Minev são uma família de judeus marroquinos que desembarcaram no Amazonas em 1850, antes do ciclo da borracha. (Parte da família migrou para o Rio e, muitas décadas depois, o primo distante Guilherme fundaria a XP.) Dentre os mais de 50 empreendimentos criados pela família no Amazonas ao longo de quase dois séculos está um na área de bioeconomia — e vem daí o seu ceticismo com a pauta.

O avô de Denis extraía e exportava óleo de espécies nativas como andiroba, copaíba e pau-rosa, este último essência do famoso perfume Chanel N.5. Por décadas, o avô exportou o óleo para grife francesa, motivo de grande orgulho para toda a família. No início, era feito o corte seletivo da árvore, mas com o tempo foram adotadas práticas de manejo sustentável, com o plantio das espécies.

Nos anos 2000, visando proteger a espécie que estava desaparecendo das margens de rios, o governo Lula decretou uma moratória de um ano, que se estendeu por dois. Diante da incerteza do abastecimento, a Chanel passou a usar uma versão sintética. Mesmo com o fim da moratória, nunca mais comprou uma gota do óleo natural. Um negócio que gerava US$ 5 milhões ao ano, caiu para US$ 1 milhão, levando à venda da plantação e à falência dos parceiros.

— Na pressa de reduzir o desmatamento, matamos a bioeconomia boa — diz Minev. — Isso aconteceu repetidas vezes. O Amazonas era um grande exportador de peixes ornamentais, hoje não exporta mais praticamente nada e foi todo mundo à falência.

Como desenvolver a economia da Amazônia mantendo a floresta em pé?

Precisamos de ciência e tecnologia, de desenvolver cérebros na região. O que faz uma cidade próspera é cérebro, não tem nada que ver com os arredores. A Amazônia não precisa se restringir à bioeconomia. Eu tiraria o bio da frente. Vamos falar de economia e como os povos se desenvolvem. Gente educada, ganhando dinheiro, tem mais consciência ambiental, vota melhor. Na Amazônia, o que faz um empreendedor que não tem capital de giro? Encontra um pedaço de floresta, corta aquelas árvores, faz algum dinheiro, taca fogo no resto, planta capim e compra umas cabeças de gado.

A preocupação ambiental não é uma pauta que sensibiliza o amazonense?

Sabe o que foi discutido aqui nas últimas eleições? O mesmo que em São Paulo: saúde, educação, renda, transporte. Meio ambiente não é um tema que os amazônicos acham relevante. Acho que os paulistas até têm consciência da importância da Mata Atlântica, mas ninguém vota por causa da Mata Atlântica. Nem em São Paulo, nem em Nova York ou Londres.

É preciso dar alternativas para que ele veja valor em deixar a floresta em pé?

Temos uma parceria com as universidades federal e estadual do Amazonas em Itacoatiara, um centro de serrarias e de pecuária a 300 km de Manaus. Eles têm 50 vagas em cursos de computação, mas pouquíssimos se formavam. Alguns pela fraca formação e outros pois eram de outras cidades e as famílias não tinham como manter. Selecionamos 20 alunos por ano e oferecemos bolsa de estudos, computador e um treinamento em Manaus. O custo total é de R$ 30 mil. Depois eles podem trabalhar na Bemol. Hoje temos 50 contratados em Itacoatiara, alguns ganhando R$ 10 mil. Esse cara é o “rei” da cidade. O prefeito me disse que todas as crianças da cidade agora querem ser programadoras. Outro dia perdemos para o Nubank. Fico chateado, mas nesse caso, com um sorriso porque o caboclo lá do interior do Amazonas vai trabalhar no Nubank, quem sabe até ganhando em dólar. Então, quando outros empresários me perguntam: O que que eu posso fazer pela Amazônia? Eu digo: investe na formação de um programador, contrata esses caras.

Que outras alternativas econômicas sustentáveis seriam viáveis?

A Amazônia tem 500 milhões de hectares, dos quais 18% ou 90 milhões foram desmatados. Destes, 70 milhões são áreas degradadas, sub utilizadas, algumas para subsistência, sem geração de riqueza. Eu olho para essa área como a melhor oportunidade da minha geração de transformar a Amazônia e o Brasil. Essa é a área onde estão todos tentando: Re.green, Biomas (apoiada pela Suzano), Belterra. Temos uma meta de rematar 10 milhões de hectares, mas até agora não fizemos mais de 100 mil hectares. É complicado comprar terra legal na Amazônia porque os títulos estão todos irregularidades. Essa é uma grande área que o poder público deveria mapear, pois a maior parte dessas terras são federais, para desenvolver um programa de agrofloresta.

Falta policiamento para combater o desmatamento?

Você pode tentar combater com polícia e Ibama, que certamente têm a sua importância. Mas você só vai dissolver o problema quando a população local começar a ganhar dinheiro com outras atividades, que pode ser replantando floresta, nos programas de rematamento. Prefiro falar em rematamento. O termo reflorestamento está muito polarizado. Mas o período de maior controle no desmatamento

Qual a sua visão sobre a Zona Franca de Manaus?

Eu servi um mandato como secretário de Planejamento e Desenvolvimento Econômico e cuidava dos incentivos estaduais. Vou lhe dar o que acho que é o melhor argumento em favor da Zona Franca. Veja o Pará, é impossível ser muito ambientalista. A pressão econômica vem da pecuária, da soja. O governador está o tempo todo pressionado e há um limite com o quanto você pode fazer. No Amazonas não. Quem enche o saco da secretaria de Planejamento no Amazonas são as indústrias do distrito: Honda, Samsung. Em geral, multinacionais com um compliance, vamos chamar assim, razoável. Definitivamente muito melhor do que os pecuaristas. A economia do Amazonas, por causa do Distrito Industrial de Manaus, é muito diferente. É muito mais formal, tem muitos empregos formais. Você vai no Pará e mesmo em Belém, o volume de empregos formais é mínimo. No Amazonas, fora de Manaus também é mínimo. Mas em Manaus, a economia é toda da zona franca. Na minha empresa, todo o time de logística é oriunda do Distrito Industrial. São pessoas treinadas com boas práticas de qualidade, de trabalho, que são muito difíceis de encontrar no resto da região.

Mas existe uma ineficiência pela distância com o mercado consumidor em São Paulo.

Pensando na eficiência econômica, sim. Entendo o argumento de que precisamos de um país mais liberal, com regras mais simples, regra tributária. Mas temos no Brasil subsídios para tudo o que é lado. Os subsídios do BNDES não vão quase nada para a Amazônia. Damos subsídios para montadoras, para Petrobras. Veja o Ministério da Defesa. Onde estão majoritariamente as despesas com Defesa? No Rio e Brasília. Não faz o menor sentido. Você deveria estar gastando na Amazônia, onde tem algum risco, com potencial conflito na Venezuela, na Guiana. Tem um pouco de militar lá, mas a maior parte não quer estar lá. O mesmo vale para a distribuição de investimento em pesquisa. Onde estão as boas universidades? A boa notícia que tenho para dar esse ano, é que o novo General Costa Neves, o melhor comandante militar da Amazônia, conseguiu trazer uma perninha do Instituto Militar de Engenharia para treinar gente em inteligência artificial e segurança cibernética. É um investimento. Você pode fazer o que você quiser, não precisa ser só bio. É o tipo de investimento que deveríamos fazer mais, mas infelizmente fazemos a conta gotas. O que você acha que aconteceria se acabasse com o Distrito Industrial? Qual seria a economia que surgiria no lugar? Se ninguém no Brasil está disposto a ceder nos subsídios, não gostaria de sermos os primeiros.

O sr é a favor de asfaltar a BR-319, um tema bastante controverso que enfrenta oposição do movimento ambientalista.

Sou a favor. Neste momento, deve ter umas cinco carretas minhas na estrada. Elas chegam sempre quebradas e eu gasto uma fortuna de manutenção. A realidade é que apesar de um trecho ainda ser de barro, a rodovia já funciona. Existem 200 mil pessoas vivendo ao longo da estrada. E precisamos de uma alternativa ao Rio Madeira, um rio notoriamente difícil de navegar – há muitos detritos, profundidade limitada em trechos e muitos pedrais que causam gargalos. Durante a seca, fica quase intransitável, alongando as viagens de cinco para nove dias. A BR-319 tem o própósito singular de conectar cidades, não de popular o território. Há outras três vias saindo de Manaus, nenhuma causadora de desmatamento, com o mesmo propóstico: para Boa Vista, para Itacoatiara e para Manuacapuro. É diferente da Transamazônica (Cuiabá-Porto Velho) ou a BR-163 (Cuiabá-Santarém). Creio que o Brasil é capaz de criar uma rodovia de 885 km com proteção. Dois a três postos policiais apoiados por inteligência e satélites seriam suficientes. Mas o Brasil é um país onde todo mundo consegue dar o veto, fazer coisa e ninguém consegue.

Qual a sua visão sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas?

Tema fácil. Pouco controverso… Vamos lá: o único lugar que a gente está olhando para investir nos próximos anos a partir de Manaus é a Guiana. Tem uma estrada, em 24 horas eu estou lá. A partir de Manaus a gente está incrivelmente bem posicionado para suprir a demanda da Guiana. O que está acontecendo lá não é normal. Eles estão produzindo hoje 500 mil barris por dia. É um país de 800 mil pessoas. A taxa per capta é maior do que a Arábia Saudita ou qualquer outro país no Oriente Médio. Na Arábia Saudita é meio barril por dia per capta. A Guiana passou e só vai parar em torno de 1,5 milhão por dia, então vai ser dois barris de petróleo por dia per capta. Se continuar assim, pelas minhas contas, vai ser o país mais rico do mundo per capta. Claro que tem um monte de ‘se’, tudo pode acontecer, podem roubar, se Venezuela invadir acaba a festa. Ainda assim, é muito dinheiro. A Guiana tem uma população parecida com a do Amapá. E antes do petróleo tinha uma renda per capita parecida com a do Amapá. E eu diria que me parece incrivelmente injusto que o motivo que a Guiana vai ficar rica, e o Amapá, não, é que o Amapá faz parte do Brasil. Se não fizesse, ia ficar rico.

É tentador.

Petróleo é ganhar na loteria, e o Amapá vai se lascar. Mas tendo dito isso, eu conversei, alguns anos atrás, com o Senador Davi Alcolumbre, que também é da comunidade judaica, a gente conhece a família. Eu falei para ele, e acho que ele não gostou muito, sobre o que eu acho que o Amapá devia fazer: coloca na mesa uma proposta para o resto do Brasil. Não tem tanta gente assim no Amapá. Eu acho que seria melhor para o Amapá se você gastasse R$ 2 milhões por ano treinando o povo amapaense, investindo em capital humano. Coloca todo mundo para virar programador. Mas o diálogo do Brasil com o Amapá é: “pode”, “não pode”. Sou a favor do Amapá poder. Mas tem tantas opções a mais. Vitamina a universidade federal. O Brasil pode pegar royalties do pré -sal, São Paulo sacrifica um pouquinho e manda uma fração para o Amapá, e a gente vai tornar o Amapá um estado rico, um exemplo. Não gosto da ideia da gente se desenvolver com combustível fóssil. De novo, é o Brasil procurando atalhos. Gosto da gente indo na direção de abandonar combustíveis fósseis, dando nossa contribuição para o combate à mudança climática, de fazer rematamento. Eu quero entregar para a próxima geração mais floresta do que eu recebi. Se a gente rematar 10 milhões de hectares na Amazônia, a Amazônia reinventa o Brasil no imaginário de um grande país. O Brasil perdeu um pouco da sua autoestima. E isso acontece quando você não tem uma ambição de país.


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