Conecte-se conosco

Brasil

Cidades no topo do ranking de desmatamento da Amazônia elegem prefeitos alvos de multas ambientais

Entre os eleitos, estão futuros prefeitos de Apuí e Lábrea, cidades no sul do Amazonas.

Gerlando Lopes do Nascimento, eleito prefeito de Lábrea (AM) (Foto:Reprodução)

Cidades no topo do ranking do desmatamento na Amazônia elegeram prefeitos alvos de autuações ambientais. É o caso de Apuí (AM), Marcelândia (MT), Lábrea (AM), Colniza (MT) e São Félix do Xingu (PA), que juntas acumularam mais de 488 quilômetros quadrados de área devastada neste ano, segundo dados do Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A extensão de terra é maior do que todo o território de capitais como Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte.

Conforme reportagem mostrada do jornal O Globo, parte da população amazônica tende a votar em candidatos que apoiam a remoção de madeira, criação de pasto para gado e garimpos em áreas protegidas, uma vez que essas atividades movimentam as economias locais. Os prefeitos reclamam de que os órgãos ambientais só aparecem nos locais para fiscalizar e não para “legalizar” a ocupação das terras.

Na segunda posição no ranking de desmatamento e na quarta de queimadas em 2024, a cidade de Apuí (AM) elegeu como prefeito o fazendeiro Antônio Maciel Fernandes, o Marquinhos Macil (MDB), com 42,7% dos votos. Ele é um velho conhecido dos órgãos ambientais — foi autuado pelo menos 7 vezes entre 1999 e 2022 por multas que totalizam R$ 28,4 milhões.

As multas revelam atos como “derrubar ou danificar florestas” em áreas de preservação, “usar fogo sem autorização” e “instalar represas e quaisquer obras que importem na alteração do regime dos cursos d’água, potencialmente poluidores, sem licença”. Procurado, ele não se pronunciou. Apuí tem como símbolo no seu brasão a rodovia Transamazônica ao lado da cabeça de um boi.

A 1.635 quilômetros de Apuí, fica a cidade de Marcelândia (MT), que figura em quarto lugar na lista de desmatamento. Lá, o prefeito Celso Padovani (União) nem precisou fazer campanha para se reeleger, pois era o único candidato na disputa. Pecuarista e presidente de um clube de tiro, ele declarou como patrimônio R$ 16 milhões ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que inclui mais de 3 mil cabeças de gado, fuzil, pistolas e espingardas, além de tratores, motoaquáticas e lotes de fazenda.

Padovani foi alvo de pelo menos três autuações ambientais, que somaram R$ 1,4 milhão e foram aplicadas pelo Ibama entre 2011 e 2018. Uma delas enquadra o fazendeiro por “destruir, desmatar, danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa”. Procurado, ele não se manifestou sobre as multas.

Além de entrarem na mira dos órgãos ambientais, os prefeitos de Apuí e Marcelândia têm outro aspecto em comum. São fazendeiros naturais do Paraná que se deslocaram para a região amazônica em busca de terras para o agronegócio. Este é o perfil da elite local dessas cidades que integram o chamado “novo arco do desmatamento” na Amazônia — uma fronteira agrícola que avança sob a floresta.

A mesma situação se repete nos municípios de Lábrea (AM), Colniza (MT) e São Félix do Xingu (PA), que figuram em quinto, sétimo e oitavo lugar no ranking do desmatamento, respectivamente. Os prefeitos eleitos também foram alvos de multas de órgãos ambientais.

Em Lábrea, Gerlando Lopes do Nascimento (PL) recebeu uma autuação de R$ 185 mil no ano passado pela destruição de 36 hectares de floresta nativa do bioma amazônico, “sem autorização de autoridade ambiental competente”. Eleito com 51,27% dos votos, Lopes afirmou que está recorrendo da multa e que faltam alternativas econômicas à cidade que não seja a exploração da terra.

— Eu estou recorrendo dessa multa no Ibama. Comprei um terreno onde o antigo dono já tinha desmatado o terreno dentro da área de uso legal. Os órgãos ambientais só aparecem aqui para fiscalizar, não para regularizar — justificou-o, e acrescentou: — Aqui não tem opção, as indústrias se concentram nos centros urbanos. O que sobra para a população que não tem vaga na prefeitura é trabalhar na terra. E tem muita terra, mas 70% dela está em área protegida.

O prefeito se queixa da pecha de “terra de ninguém” do município, dizendo que os grandes desmatadores da região não são originários de Lábrea. — Eles vêm de São Paulo, Rio de Janeiro, para criar gado aqui e nós ficamos com a imagem de desmatadores — disse ele.

No novo arco do desmatamento, as cidades do sul do Amazonas e do Pará são conhecidas por terem mais gado do que habitantes.

Em Colniza (MT), a empresa do prefeito reeleito Milton de Souza Amorim, o Miltinho (União), foi autuada em R$ 11.500 por infração à flora em 2019. Ele é dono de uma madeireira na cidade, cuja população deu 78, 5% dos votos. O município cresceu na década de 90 em torno de garimpos de ouro, atividade que passou a decair e foi aumentando pela exploração de madeira e o agronegócio. O site da prefeitura descreveu assim a principal fonte de renda: “via-se que a salvação de Colniza seria a agricultura a longo prazo e, de imediato, a madeira”.

Em São Félix do Xingu, o prefeito eleito e pecuarista Fabricio Pereira Batista (Podemos) levou uma multa do Ibama de R$ 2,2 milhões em 2014 por infração à flora em uma fazenda chamada “Mundo Verde”, situada em Altamira (PA) . Ele venceu a eleição, com 49,2% dos votos, em cima do atual prefeito João Cleber (MDB), que também já foi processado por crimes ambientais.

Cleber foi alvo de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, em 2023, por utilizar recursos públicos para reformar uma estrada clandestina dentro da Terra Indígena Apyterewa — uma das mais desmatadas da Amazônia. As obras, segundo a investigação, tinham o objetivo de dar apoio a invasores que abrissem áreas de garimpo na área de preservação e criassem gado na reserva.

— Tem vários distritos e vilas dentro. Todo ano foi feito o patrulhamento (o nivelamento da estrada de terra com máquina de terraplanagem, tornando-a própria para a circulação de veículos), porque ali tinha muitas famílias e precisava de uma estrutura de saúde e educação — explicou o atual prefeito.

Em setembro, O GLOBO publicou uma reportagem que mostrou como ser alvo de um órgão ambiental é visto como trunfo eleitoral na região amazônica.— Se chegar alguém aqui batendo: “O prefeito é um desmatador”, ganha voto. Tomou uma multa do Ibama, já ganhou voto — disse o prefeito de Novo Progresso (PA), Gelson Dill, que foi reeleito neste ano e havia recebido uma multa de R$ 4 milhões em 2020 em plena campanha eleitoral. — Foi uma grande cartada para mim, mas eu não fiz o fato. Foi uma dessas multas que eu acabei recorrendo e ganhando na Justiça. Estou colocando isso como o pessoal da sociedade pensa — acrescentou ele.


Clique para comentar

Faça um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

um × quatro =