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Brasil

Tesouro Nacional aponta que prefeituras contraem dívida recorde de R$ 6,1 bilhões em ano de eleições

Além do valor recorde, o número de municípios que recorreram ao crédito bancário, 731, é o maior da série histórica desde 2002.

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Num mês de eleições, prefeituras de cidades com até 100 mil habitantes, consideradas pequenas ou médias, contraíram um nível recorde de endividamento na comparação com outros anos de disputa municipal. Levantamento do jornal O Globo com base em dados do Tesouro Nacional mostra que, de janeiro a agosto de 2024, os empréstimos bancários contratados por prefeitos já somaram R$ 6,1 bilhões, valor 60% superior ao mesmo período de 2020 e o segundo maior da série histórico iniciado em 2002. O montante só não ultrapassa o que foi captado no ano passado, de R$ 6,8 bilhões. O dinheiro extra tem servido como munição para a campanha de políticos no poder, que anuncia obras e outras benfeitorias aos eleitos, deixando uma fatura a ser paga aos sucessores.

Além do valor recorde, o número de municípios que recorreram ao crédito bancário, 731, é o maior da série histórica desde 2002. Se considerarmos todas as prefeituras do país, os empréstimos com instituições financeiras somaram R$ 33 bilhões em 2024, atingindo o maior pico nos últimos 22 anos. Essa lista é encabeçada por capitais, como Rio e São Paulo, que possuem maior capacidade de alavancagem e representam 21,5% do total de R$ 33 bilhões de dívidas contraídas neste ano.

No caso das cidades pequenas e médias, a garantia dada pelos prefeitos para conseguir o empréstimo são os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), recursos enviados pelo governo federal que representam a principal fonte de renda de sete de cada dez localidades do país . É o dinheiro do FPM que garante desde o pagamento de treinamento dos servidores a serviços essenciais à população, como insumos para unidades de saúde.

Os contratos firmados por essas prefeituras costumam ser de longo prazo e durar cerca de uma década, com a responsabilidade de manter os pagamentos das parcelas em dia recaindo não só para o prefeito eleito em outubro, mas também por seu sucessor.

É o caso de Vinhedo, a 77 quilômetros de São Paulo, onde o atual prefeito, Dr. Dario Pacheco, tenta a reeleição. Uma cidade de 76 mil habitantes captou R$ 90 milhões para, segundo informou o município, reformar prédios públicos, realizar obras de saneamento básico e pavimentar vias, entre outros investimentos.

O valor do empréstimo representa mais que o dobro dos R$ 41 milhões dos repasses do FPM previstos para Vinhedo em 2024. O pagamento será feito em dez anos, com direito a uma carência nos dois primeiros anos. Ou seja, mesmo que o prefeito de Vinhedo conquiste um novo mandato, ainda sobrarão boletos a serem quitados para quem o suceder no cargo em 2028.

Nas redes sociais, Dr. Dario publicou vídeos de campanha nas quais divulga obras na cidade como reforma de praças e recapeamento de ruas. Em nota, a prefeitura disse que, antes do contrato, o contrato passou por “análise minuciosa da Secretaria do Tesouro Nacional, da Procuradoria da Fazenda Nacional, do Tribunal de Contas do Estado e da própria instituição financeira”. Além disso, teve aval da Câmara Municipal.

‘Necessidades urgentes’

Outro candidato à reeleição que recorreu a empréstimos neste ano foi o prefeito de Vilhena (RO), município de 95 mil habitantes localizado a 700 quilômetros da capital, Porto Velho. O delegado Flori Cordeiro de Miranda (Podemos) assinou um contrato para receber R$ 25 milhões em empréstimo bancário no dia 16 de julho. O valor equivale a 70% do repasse do FPM que a cidade receberá ao longo de 2024.

O prefeito de Vilhena tem prometido, em suas redes sociais, usar o recurso extra para ampliar escolas e fazer o “maior programa de expansão de creches” do município em caso de reeleição, mas nega que a medida tenha cunho eleitoral.

“Apesar de ser ano de eleição, a solicitação para obtenção da operação de crédito não é eleitoreira. São necessidades urgentes que os municípios têm”, disse a prefeitura de Vilhena, por meio de nota.

Mesmo os prefeitos que encerraram seu mandato em dezembro recorreram a empréstimos para turbinar a caixa neste ano. Em Pará de Minas (MG), a 89 quilômetros de Belo Horizonte, o prefeito Elias Diniz (PSD) dividiu o município que comandou nos últimos sete anos em R$ 60 milhões. Ele tenta eleger como sucessora sua ex-secretária municipal de Cultura e Comunicação, Andréia Xavier Paulino (PSD).

Procurada, a prefeitura não retornou aos contatos. O contrato com o banco informa que o dinheiro será aplicado em obras de infraestrutura, sem especificar quais. O valor é superior aos R$ 47,1 milhões que o município deve arrecadar de FPM no ano.

Fiscalização

O advogado especialista em contas públicas Valdir Moysés Simão, ex-ministro da Controladoria-Geral da União, afirma que a Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF) disciplina esse tipo de operação feita por prefeituras, mas que em alguns casos as contraídas pelos prefeitos podem “desequilibrar a disputa eleitoral ou até inviabilizar a futura gestão”.

— Também representa risco ao gestor que contraiu a dívida e executou despesas que, certamente, serão escrutinadas pelo sistema de controle, em especial se o agente político não for reeleito, o que dificultará a obtenção das informações de permissão para a prestação de contas — afirmou ele .

O economista Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec, lembra que o governo federal é recorrentemente chamado para socorrer prefeituras individualizadas:

— Há essa tendência por parte dos candidatos e prefeituras de abrir frentes de obras em ano eleitoral, de colocar placas para marcar a gestão sem analisar com bastante coerência a fonte de recursos — disse o economista.

Boa parte das iniciativas é postergada ou mesmo abandonada depois das eleições. Nesses casos em que a prefeitura não consegue pagar, a dívida acaba tendo que ser assumida por outros entes da federação.

— O problema é que, quando é preciso executar essa garantia e o FPM é retido, os prefeitos entram na Justiça argumentando que não podem faltar recurso para saúde e educação, por exemplo. Só que o prefeito desviasse ter avaliado isso antes de contrair a dívida. No fundo, quem vai pagar a conta do município é o estado e o governo federal — afirmou o economista Gabriel Barros, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado.


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