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Marco temporal: PEC sobre demarcação de terras indígenas é votada no Senado

Na proposta, os povos indígenas só podem reivindicar terras ocupadas após a promulgação da constituição de 88. Agora os 26 senadores que assinam a emenda tentam incluir o texto na constituição.

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O marco temporal retorna ao centro do debate político nesta quarta-feira (10), quando a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) votou uma emenda constitucional assinada pelo senador Dr. Hiran (PP-RR). Na proposta, os povos indígenas só podem reivindicar terras ocupadas após a promulgação da constituição de 88.

A Lei 14.701 que regulamenta demarcações de territórios indígenas foi aprovada em setembro de 2023. Na época, o STF decidiu que o texto era anticonstitucional e, em consonância com a Corte, o presidente vetou o projeto. Mesmo assim, o veto foi derrubado pelo Congresso no mês de outubro.

Na proposta, os povos indígenas só podem reivindicar terras ocupadas após a promulgação da constituição de 88. Agora os 26 senadores que assinam a emenda tentam incluir o texto na constituição, o autor da lei que será votada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) é o senador Dr. Hiran (PP-RR).

A emenda desclassificou as lideranças indígenas. O relator é o Senador Esperidião Amin (PP-SC) que já se posicionou favorável à proposta. Ele justifica que “Se recua demais no tempo, até mesmo áreas como Copacabana e o Aeroporto de Cumbica (Guarulhos) seriam reconhecidas como terras indígenas.”

“São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios como por eles habitadas em caráter permanente, como utilizadas para suas atividades produtivas, como imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e como obrigatória a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, sendo-lhes garantido o seu posse permanente, estabeleceu o marco temporal em 05 de outubro de 1988”, diz a emenda que será adicionada ao artigo 231 da Constituição, se marco temporal for aprovado.

STF questiona constitucionalidade do marco temporal

A validade do marco temporal é questionada no STF (Supremo Tribunal Federal), por conferir direitos fundamentais dos povos indígenas. No momento, duas ações foram recebidas pelo Corte: uma contra e outra a favor da emenda.

As ações foram recebidas após o presidente Lula ter vetado o texto. A emenda coloca o Congresso contra o poder executivo e o STF desde então. Os senadores derrubaram os vetos aplicados pelo presidente e, segundo a Agência Senado, os processos foram conduzidos dias depois de terem entrado em vigor a versão mais dura do texto.

A Corte volta a debater a validade do marco temporal em agosto. O STF montou uma comissão de conciliação para tratar das duas ações. Até lá, o ministro Gilmar Mendes negou ordens para suspender o marco temporal e confirmou que novas decisões serão aprovadas pelo STF entre agosto e dezembro.

Lideranças indígenas defendem um marco ancestral

Desde que o marco temporal começou a ser debatido no Senado, lideranças indígenas se mobilizaram contra a emenda. Para eles, o texto desconsidera populações indígenas que foram expulsas de suas terras antes da promulgação da Constituição.

“O marco é ancestral” . A APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e a Atyguasu (Assembleia Geral do povo Kaiowá e Guarani) mobilizam manifestações por todo o país contra a proposta. Em nota, a APIB afirmou que os direitos dos povos indígenas estão sendo “atacados” e que o Congresso está ignorando os direitos aos territórios e à vida.

Na última segunda-feira (8) 100 lideranças indígenas se reuniram em assembleia para construir um plano de atuação contra o marco temporal. Em entrevista ao UOL , o coordenador executivo da APIB, Dinamam Tuxa, conta que boa parte dessas lideranças já estão em Brasília e que os povos indígenas vão resistir à votação.

“Vamos voltar a nos manifestar em todo o país”, disse o líder do povo indígena Tuxá, que sempre viveu na divisão entre os estados de Pernambuco e Bahia. “Temos que ocupar as ruas e as BRs, precisamos dar visibilidade para as consequências dessa emenda, que não prejudica apenas os povos indígenas, mas todos os brasileiros.”

As lideranças indígenas afirmam que não foram ouvidas na construção do projeto de lei. “É um processo arbitrário, essa pauta faz nossos direitos fundamentais, por isso o STF julga como inconstitucional”, explica Dinamam Tuxá. Ele conta que já existe uma descrição das lideranças com o Congresso “nunca sentamos para dialogar com o Congresso”, completa, “os direitos dos povos indígenas não se negociam.”

Dez lideranças indígenas devem acompanhar a votação dentro do Congresso Nacional. Três líderes estarão na plenária, outros sete em pontos diferentes. “Estaremos presentes”, conta o coordenador. “É uma jornada de luta que começa amanhã, mas só termina quando os direitos dos povos indígenas são devidamente respeitados”, diz.

Para ele, mais do que território estão em jogo. A manutenção de saberes e culturas antigas dos povos indígenas e dos assentamentos sagrados, que mobilizam os povos originários podem ser perdidos com a aprovação do marco temporal. “A aprovação de uma PEC como essa aumenta a violência dentro das indígenas.”

“Queremos falar sobre crise climática, sobre preservação das nossas matas. Essa PEC foi pensada para acessar os territórios indígenas que ainda não foram demarcados ainda e tomar até os mesmos que eles dizem estar protegendo. É uma PEC de morte, genocídio e destruição”, diz o coordenador executivo da APIB, Dinamam Tuxá.

Indígenas Tuxá foram expropriados

O povo indígena Tuxá conhece bem as consequências do marco temporal. Desde 1987, período em que a Assembleia Nacional Constituinte foi instalada no Congresso Nacional, eles disputam o território em que moravam nos municípios de Rodelas, Glória e Petrolândia, localizados na divisão entre Bahia e Pernambuco.

Eles foram desapropriados para a construção de uma hidrelétrica. A Usina Hidrelétrica Luiz Gonzaga (popularmente conhecida como Usina Hidrelétrica de Itaparica), foi inaugurada em 1988, o povo Tuxá mora nas áreas que margeiam a barragem – com alagamentos frequentes, as três cidades que ocupavam ficavam submersas.

Os indígenas Tuxá tentam reivindicar o território desde a desapropriação. “Fomos removidos condicionalmente”, relembra Dinamam. Ele conta que a disputa por esse território reúne os indígenas da região desde então. “Hoje estamos num limbo jurídico. O marco temporal desconsidera que ainda ocupamos o espaço. Estamos aguardando uma decisão judicial.”

Uma cidade planejada com o nome de Rodelas foi construída, mas o território tradicional do povo indígena Tuxá, às margens do Rio São Francisco continua sendo sagrado. “Há nove anos estamos tentando a demarcação na justiça, mas nunca deixamos a região. Sempre utilizamos o nosso território tradicional para a prática de rituais. Lá é onde estão as nossas urnas funerárias, que são sagradas. É um espaço nosso, que sempre ocupamos “, disse o coordenador executivo da Apib, Dinamam Tuxá.

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