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Incêndios florestais têm início de temporada mais intenso em 21 anos; confira situação de cada bioma

Coordenadora do sistema de monitoramento de fogo do projeto MapBiomas, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar diz que o atual cenário é assustador.

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Uma propagação de incêndios florestais começou a preocupar habitantes do Pantanal no início deste mês, e na semana passada ficou claro que o problema não está só ali. O Brasil como um todo já registra o maior número de focos de fogo em 21 anos para o primeiro semestre, e cinco dos seis biomas do país estão em tendência de alta.

Até quinta-feira (13/06), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já havia registrado 27.914 focos de incêndio no primeiro semestre. O recorde anterior para esse período — 1º de janeiro a 17 de junho — é de 2003, quando os satélites detectaram 27.991 focos.

O Pantanal, o Cerrado e a Amazônia são os locais onde o problema mais se acentuou num ciclo de três anos, mas na Caatinga e na Mata Atlântica o Inpe também aponta situação preocupante. O único bioma poupado da proliferação do fogo neste inverno é o Pampa, que sofreu uma catástrofe por motivo inverso, as enchentes na região Sul.

Segundo Fabiano Morelli, chefe do Programa Queimadas do Inpe, como a estação de fogo da maioria dos biomas ocorre no segundo semestre, ainda é cedo para dizer se 2024 terá recorde de incêndios em vegetação natural durante o período de pico, de setembro a outubro. Mas a seca preocupa.

— As previsões trimestrais para junho, julho e agosto mostram que nesses meses ainda não vai ter uma mudança significativa com aumento de chuva, e a expectativa é que, sim, aconteçam fogos, porque historicamente tem fogo nesses meses — diz o pesquisador.

Futuro preocupante

Coordenadora do sistema de monitoramento de fogo do projeto MapBiomas, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar diz que o atual cenário é assustador:

—A gente vai passar aperto na temporada de seca deste ano porque não teve chuva suficiente para suprir o solo e compensar o estresse hídrico da temporada passada.

O panorama atual do Brasil é consequência tardia do efeito El Niño, o superaquecimento das águas do Pacífico, cujo último ciclo começou ainda em 2023.

— O El Niño já está em tendência de decrescimento, entrando num período de neutralidade, e caminhando para uma La Niña (resfriamento do Pacífico) na próxima estação. Só que essa mudança não acontece da noite para o dia — diz Morelli.

O resultado é que, nas áreas de vegetação natural, se acumula uma grande quantidade de biomassa seca no chão que facilita muito o alastramento do fogo.

O fator de ignição dos incêndios, porém, são, via de regra, as atividades humanas, principalmente o uso de queimadas intencionais para limpar terreno de lavoura e pasto. Isso é realidade principalmente na Amazônia, um ecossistema muito úmido onde é preciso até de uma certa insistência para atear fogo na mata.

O desmatamento normalmente está associado às queimadas na região, porque o fogo é usado após o corte raso das árvores. Apesar de o desmate ter tido queda de 22% no ano passado, a secura contribuiu para um aumento nos incêndios.

Em Mato Grosso do Sul, o estado com maior número de focos de fogo do Pantanal, o governo emitiu um decreto na semana passada proibindo queimadas rurais. Em Mato Grosso, no norte do bioma, o período de embargo ao fogo só começa em julho, mas o prazo de encerramento foi estendido de outubro para dezembro.

Ane Alencar afirma que essas medidas deveriam ser ampliadas. A realidade de seca que se impõe também como efeito das mudanças climáticas significa, segundo ela, que a agropecuária vai ter que se habituar a práticas diferentes de manejo da terra.

— A única forma que eu vejo de essa situação não chegar a um limite catastrófico é a gente reduzir o uso do fogo na paisagem. Isso vale para todos os biomas, em todas as situações — diz a cientista do Ipam.

Um dos biomas que está sofrendo com o aumento do fogo neste ano sequer deveria estar passando por esse processo. A Caatinga, por ter uma vegetação mais rala e menos folhosa, normalmente dificulta o alastramento do fogo e já é adaptada a condições mais secas. Mas a presença da agropecuária em muitos lugares do Nordeste, somada a mudanças climáticas, está desafiando os limites de resiliência do bioma.

Washington Rocha, coordenador do MabBiomas para a região, disse que o fogo na caatinga também é consequência do desmatamento.

— Quando a gente olha para os números de desmatamento e da ampliação de áreas de plantio que usam o fogo para limpar a terra e soma isso às condições climáticas desfavoráveis, é como juntar um fósforo com a pólvora — diz o pesquisador.

O Cerrado, pela primeira vez em décadas, registrou desmate maior que o da Amazônia. Nem a paisagem vegetal mais densa e até a adaptação do bioma à passagem de fogo com alguma frequência atenuou a devastação

No início da semana passada, a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, se declarou preocupada com a situação e anunciou medidas com intenção de intensificar a prevenção e combate ao fogo, principalmente na forma de parcerias entre estados e União e fortalecimento de brigadas de combate a incêndio do programa PrevFogo.

Ambientalistas, porém, cobram maior fiscalização e punições mais duras para agricultores que usam o fogo sem autorização de órgãos ambientais ou no período de embargo.

Nova estratégia

As comunidades que já estão num período crítico de combate ao fogo no Pantanal, com o trauma da temporada de fogo de 2020 ainda na memória, estão ampliando esforços para deter o avanço de incêndios.

O Serviço Social do Comércio (Sesc), que tem a maior reserva ecológica privada do país na região de Poconé (MT), teve 90% de seu território queimado naquele ano. Agora, a instituição ampliou seu sistema de monitoramento territorial com câmeras e antecipou o contrato de brigadistas para junho. Normalmente eles só são chamados em agosto, mas neste ano foram envolvidos em um trabalho de “queima prescrita”, que está sendo realizado pelo ICMBio no local.

A estratégia consiste em queimadas controladas nas zonas campestres em torno de áreas mais frágeis do bioma. A ideia é consumir biomassa seca antecipadamente e evitar o avanço de grandes incêndios que possam chegar ali.

— Existe alguma experiência com essa técnica no Cerrado, mas para o Pantanal é algo muito novo ainda — diz a bióloga Cristina Cuiabália, gerente do Polo Socioambiental do Sesc Pantanal.

Os governos americano e brasileiro criaram uma parceria para intercâmbio de troca de experiência. Neste ano Brenda Bowen, especialista em prevenção e combate a incêndios do Serviço Florestal dos EUA participou de seminário em São Paulo. Ela explicou como as esferas de governo local e federal americano se alinham com o setor privado para organizar o enfrentamento


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