Brasil
Somente sete estados e o DF têm cotas para negros em concursos públicos
Executivo federal adotou reserva de 20% das vagas no serviço público para pretos e pardos em 2014, e vem sido seguido de forma mais lenta por algumas unidades da federação
Adotadas no Executivo federal, as cotas raciais nos concursos para entrada no serviço público avançam em ritmo bem lento nos outros níveis de governo, Brasil afora. É o que mostra uma pesquisa do Movimento Pessoas à Frente (entidade dedicada à formação de pessoas que atuam no setor público) que listou os estados que estabeleceram em lei uma reserva de vagas para pessoas negras nas seleções de pessoal.
No levantamento, apenas sete estados e o Distrito Federal têm reserva para servidores negros. Há dez anos, eram somente dois estados com alguma ação afirmativa. Houve avanço, mas lento.
Anna Migueis, uma das responsáveis pelo estudo, afirma que se existe uma vitória do movimento negro nos últimos anos foi ter alcançado um entendimento predominante na sociedade sobre a importância das políticas públicas para aumentar a diversidade na sociedade brasileira, o que favoreceu as cotas no governo federal. Nos estados, ela vê situação mais complexa para leis do gênero nas assembleias estaduais e câmaras municipais.
— Quando foram criadas as primeiras cotas de ensino universitário, em 2003, havia muitas visões contrárias. Agora se entende que são medidas constitucionais. A sociedade tem uma visão de que é positivo e importante — analisa a pesquisadora.
Para ela, o número ainda baixo de estados com cotas se deve à baixa diversidade da política regional, o que dificulta esse tipo de projeto. — A falta de diversidade nos legislativos locais dificulta esse debate e retroalimenta a pouca presença de negros. Pautas para esse grupo ficam em segundo plano.
Nos estados que já têm alguma ação afirmativa, a reserva de vagas difere. O maior percentual está previsto nas leis da Bahia e do Distrito Federal: 30% das vagas. Em seguida vêm Rio de Janeiro, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Ceará, que reservam 20% dos cargos dos concursos. No Espírito Santo, são 17%. No Piauí, 10%.
“Chama a atenção a elevada variação entre o maior (30%) e o menor (10%) percentual de reserva de vagas, sendo o maior equivalente a três vezes o menor. Não foram identificados estudos que respaldassem a adoção desses valores com base em critérios demográficos ou de ocupação de cargos públicos por pessoas negras”, destaca o estudo.
Outro problema nos estados é a avaliação dos resultados das políticas de cotas. Faltam dados desagregados sobre raça dos servidores. Nos municípios, a situação é similar, o que impede comprovar o aumento da diversidade com a política afirmativa.
— Há um apagão de dados sobre diversidade (no setor público) — diagnostica Anna.
Outro obstáculo é o próprio concurso. Em geral, mesmo com a reserva de vagas, os candidatos negros precisam alcançar no mínimo 60% de aproveitamento na prova objetiva para serem classificados. O índice é considerado alto no estudo, favorecendo candidatos que têm condições financeiras de pagar por cursinhos preparatórios e chegar aos exames em posição de vantagem, o que é mais comum entre os brancos, dada a desigualdade econômica historicamente desfavorável aos negros.
Ação complementar
No Rio, ações pela diversidade foram além das cotas e do Executivo. A Defensoria Pública do Estado fez um estudo próprio dos seus concursos e percebeu que os negros tiravam notas iguais ou superiores às dos brancos nas provas orais, o que impedia a aprovação era a prova objetiva.
Para a atuação de um órgão de defesa dos mais carentes, diversidade é um ponto ainda mais importante na relação dos servidores com o público. A instituição resolveu então atribuir valor maior à prova oral nas seleções de defensores. E o resultado foi positivo, conta Anna Migueis:
Deram mais peso à prova oral no final, e a diferença entre candidatos caiu consideravelmente. O órgão pôde selecionar um grupo mais diverso.
‘Até que é inteligente’
A Defensoria do Rio também adotou cotas para servidores de apoio. Thamara Deola se inscreveu como cotista e foi uma das aprovadas como analista processual em 2016. O concurso foi uma porta aberta quando ela estava sem trabalho e perspectiva, mesmo recém-formada em Direito.
— Não conhecia ninguém da minha área que pudesse ser uma ponte (para um emprego no setor privado) nessa fase inicial, tampouco tinha qualquer capital financeiro e social. Entrar por cotas na Defensoria abria um mundo de possibilidades, fiquei muito feliz — diz Thamara.
Logo no início, ela entendeu que o seu desafio não se encerrava no concurso. Embora os aprovados fossem convocados simultaneamente, os cotistas ficavam por último na alocação. Geralmente sobrava para eles bairros mais distantes, como aconteceu com ela. Thamara também se ressentiu da falta de líderes negros e de ser alvo de comentários questionando sua capacidade, mas decidiu conquistar seu lugar.
— Não via pessoas como eu tomando decisões, apenas subordinadas — relembra. — Meu desafio em ocupar aquele espaço era mais existencial. Era sobre como eu lidaria com subjugações sutis ou com falas como “até que ela é inteligente” ou “até que ela é educada”.
As informações são do Extra
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