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Debate destaca que pirataria em hidrovias da Amazônia gera prejuízos e desafia ações de segurança

O encontro promovido pelos Institutos Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) e de Combustível Legal (ICL).

O debate contou com a presença de especialistas, agentes públicos e executivos do setor. (Foto:Reprodução)

Os ataques a embarcações que transportam combustíveis na região Norte do Brasil se tornou um problema de solução complexa e que exige a articulação de diferentes atores, tanto públicos quanto privados. É o que apontam especialistas, agentes públicos e executivos do setor reunidos em um debate divulgado pelo portal Jota.

A necessidade de integração para combater o problema foi abordada em evento na Casa JOTA nesta quarta-feira (23/8). Patrocinada pelos Institutos Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) e de Combustível Legal (ICL), a programação esmiuçou detalhes da prática de pirataria (isto é, a rendição e saque de embarcações) nos rios amazônicos.

Os combustíveis são visados por grupos criminosos pelo relevante valor econômico; eles são frequentemente destinados a outras atividades criminosas, como garimpo e desmatamento ilegais, além do narcotráfico, o que preocupa as autoridades. Falta de equipamentos adequados, pessoal treinado e a enorme extensão de rios navegáveis são só algumas das dificuldades para lidar com a situação.

Em 2022, houve sete roubos efetivados, totalizando 4 milhões de litros de diesel e outros combustíveis, além de outras nove tentativas de saque a cargas. Neste ano, segundo números apresentados pelo ICL, houve a efetivação de dois roubos de combustíveis, e outras sete investidas com o mesmo intuito.

“Virou uma prática a pirataria para usar o produto no desmatamento, em minas ilegais ou mesmo no transporte de drogas. Tivemos que colocar em algumas embarcações escolta armada para nos defender dos piratas”, comentou Emerson Kapaz, presidente do ICL, acrescentando que, apesar de a mobilização dar resultado, é importante avançar com o poder público.

“Autoridades locais, governo federal, reguladores e iniciativa privada podem construir espaço de interação para maior pressão e mobilização. No fundo, garantir a segurança é um objetivo do estado”, adicionou.

Impactos na população

O presidente do IBP, Roberto Ardenghy, comentou ainda sobre as dificuldades enfrentadas para levar, por meio de hidrovias, produtos essenciais para a população em regiões distantes da Amazônia.

“O GLP, por exemplo, é fundamental para lares brasileiros. No período de chuvas, fica proibitivo navegar, mas há também as questões da segurança que afetam as embarcações. São 18 milhões de pessoas que moram na região Amazônica e dependem do hidroviário para receber produtos”, disse.

O coordenador do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), André Martins, acrescentou que tanto a pirataria quanto a navegabilidade dos rios, por vezes interrompida pela falta de chuvas e baixo nível do leito, afetam diretamente a vida da população.

“Estamos fazendo uma obra importante na região de Tabatinga que fica desabastecida quando o leito baixa e produtos não chegam. O gás de cozinha passa de R$100 para R$ 300 quando há desabastecimento”, comenta Martins. Segundo ele, há esforços para melhorar a navegabilidade dos rios: “A navegação segura nas hidrovias implantadas tem que ser no mínimo de 90% ao ano para subsistência da região”.

A fragilidade do sistema hidroviário do Amazonas também foi lembrada por Valéria Amoroso Lima, diretora executiva de Downstream do IBP, com foco na visão das empresas privadas. De acordo ela, R$ 100 milhões de produtos são roubados anualmente por piratas, somando diferentes cargas.

“É intenso o uso da infraestrutura para o transporte de derivados. Mas na Amazona o sistema é frágil pela extensão, dificuldade de integração das forças de segurança, comunicação, pronto atendimento, além do nível dos rios que atrasa ou impede os comboios”, resumiu a executiva.

Integração de responsabilidades

Claudia Barros, diretora do Ibama, lembrou que há uma cadeia de responsabilidades, ligadas inclusive à segurança na região, que abrange até o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama.

“Temos no Ibama cinco hidrovias em licenciamento, importantes para melhorar o transporte hidroviário essencial naquela região, mas vivemos em um mundo de pirataria que também afeta o meio ambiente”, afirmou. “Sem ações amplas do Estado para manter a segurança e respostas dadas para a sociedade, não é possível combater a pirataria em uma região tão grande e de difícil acesso”, disse.

Uma das ferramentas importantes destacadas no evento foi o uso de dados de forma sistematizada e com inteligência para nortear as ações públicas e privadas no combate à pirataria.

Ottomar Mascarenhas, chefe do Núcleo Regional de Fiscalização de Brasília da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), afirmou que a agência possui muitos dados disponibilizados de forma aberta, que poderiam colaborar para os esforços de segurança. “Temos mapeados locais que recebem mais produtos e que podem sugerir irregularidades”, exemplificou.

“Identificamos um ponto de abastecimento em Roraima atuando irregularmente, comprando uma quantidade enorme de combustível de aviação e distribuindo para atividades criminosas”, comentou sobre o monitoramento. “Damos nossa contribuição, mas é preciso que embarcações tenham melhores condições de comunicação entre elas e com a base, e que sejam monitoradas em tempo real. Sem isto é difícil combater a atuação dos piratas”, pontuou Mascarenhas.

Representantes das distribuidoras de combustíveis Ipiranga e da Vibra Energia destacaram que têm investido em equipamentos e também em escolta armada, com resultados importantes. Nos últimos três anos, até maio de 2023, comboios que transportavam combustíveis para a Ipiranga sofreram 26 ataques com R$ 38 milhões de prejuízo em roubos de combustíveis. Na média, isso representa quase uma ocorrência por mês.

“Hoje, nossas embarcações operam armadas, protegidas e monitoradas. Neste ano, até agora foram apenas três ataques a embarcações, provavelmente pelo efeito da escolta armada. Mas a preocupação é que os criminosos reajam e nossos comboios sejam alvo de mais violência,” afirmou Maximiliam Modesto, coordenador de Núcleo Norte na Ipiranga.

Ele explicou que as embarcações hoje operam com monitoramento em tempo real durante todo o dia e também com comunicação via satélite online. “O aparato montado deu resultado, mas se o poder público não atuar em conjunto com as iniciativas privadas, podemos ter um roubo armado de alta magnitude atuando em nossos comboios”, ponderou Modesto.

O comentário do gerente regional de Operações Norte da Vibra Energia, Marcel Consul Finkler, foi na mesma direção: “Combustível é de difícil rastreabilidade, por isto atrai tanto os piratas e alimenta outros ilícitos. Os transportadores têm investido em tecnologia e segurança armada, mas, se não tivermos engajamento dos agentes públicos para conseguir lidar de forma mais eficiente, não conseguiremos o resultado que queremos”.

Para o gerente de Segurança Patrimonial da Raízen, Rosano Augusto Souza, as iniciativas de escolta armada são importantes, mas a difusão ineficiente dos dados, ou mesmo a ausência destes, torna a resposta a incidentes muito morosa. “Amazonas, Rondônia e Pará, em especial, precisam alinhar as iniciativas. Cabe a nós também criarmos grupos de trabalho reunindo agentes públicos e privados em prol de uma solução”, comenta Souza.

A coordenadora Geral de Hidrovias do Ministério de Portos e Aeroportos, Bruna Denise Arruda, reconheceu que o tema é complexo e também falou da busca por integração. “Não dá para imaginar que em uma área tão grande ações ostensivas deem resultado efetivo. Precisa ser atuação conjunta com polícia local”, afirmou Arrudam.

Ela alertou também sobre as ações para melhorar as condições de navegação, que, quando precárias, facilitam a ocorrência de roubos. “Vemos a possibilidade de um gestor de hidrovia poder auxiliar na segurança. Precisamos atuar de forma mais inteligente”, concluiu.

O deputado federal Eliéser Girão (PL-RN) pediu a união das diferentes forças de segurança para coibir a pirataria nas hidrovias. “Temos que unir as Forças Armadas que tem presença nacional, isto é, o o Exército, a Marinha e a Força Aérea. Todas as embarcações deveriam ter GPS e sistemas de comunicação e rastreamento de forma obrigatória. Isto é essencial”, defendeu.

Desafios amazônicos

A dimensão da região amazônica é um fator que dificulta o trabalho de fiscalização, destacado por Carlos Alberto Mansur, secretário de Segurança Pública do Amazonas. “De Manaus até Guajará são 3.170 quilômetros. Para Tabatinga, outros 1.573″, exemplificou.

“Já temos uma primeira base de iniciativa conjunta e bem equipada instalada no Rio Solimões, com participação das Polícias Civil e Militar, Corpo de Bombeiros, Marinha, além da Polícia Técnica, e que já contou também com o Ibama e a Força Nacional. Funciona 24 horas por dia em área isolada”, explica Mansur, destacando que o custo é um fator importante, consumindo por mês R$ 1,3 milhão para manter a base. “Estamos no ajuste final para lançar outra base no Rio Negro, que será mais um custo para o Estado”, disse.

Acordos de cooperação com países da região e entre os diferentes estados da região também são importantes, na visão da delegada chefe da Delegacia de Tabatinga (AM), Camila Cantanhede Gonçalves.

“Tabatinga tem três fronteiras, sendo duas com Colômbia e Peru, então lidamos com crimes transfronteiriços. A Polícia Federal nos ajuda muito, capacita nossos profissionais. É uma região que sem o apoio do Ibama e da Força Nacional não tem como atuar”, comenta a delegada acrescentando que o roubo de combustível não é um fim em si, mas financia atividades criminosas diversas.

O deputado federal Sidney Leite (PSD-AM) criticou a falta de investimento e de segurança no estado. “Em Manaus, quem comanda a segurança é o narcotráfico, mandam parar ou atacar. É muito combustível roubado indo para atividades ilegais. Sem falar que muitas hidrovias na verdade são rios navegáveis”, disse. Leite afirmou também que o ideal seria incluir na Lei de Diretrizes Orçamentárias uma previsão orçamentária para o tema, para garantir que haverá repasse de recursos.

Após o fim dos paineis, o presidente do IBP destacou a importância de manter os esforços junto ao poder público para que haja financiamento adequado e melhorias no combate à pirataria na região Norte.

“Parceria com entidades privadas são importantes e podemos ajudar e fornecer dados de inteligência. Mas a pressão precisa continuar”, pontou. No final do evento, foi assinada uma carta de intenções a ser enviada ao Congresso Nacional e aos governos federal e estaduais. “Para que o tema seja adequadamente tratado, inclusive com emendas do interesse de todos”, afirmou Roberto Ardenghy.


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